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Eu vou discorrer ao longo deste texto uma resposta mais elaborada e aprofundada. Mas se eu tivesse que dar uma resposta mais curta e direta à pergunta acima ela seria: porque estamos falhando miseravelmente com a prática do feedback.
Feedback é o tema mais solicitado, aquele que não pode faltar, quando faço processos de desenvolvimento de liderança nos meus clientes. Por outro lado, também é o tema com índices mais baixos de satisfação nas pesquisas de clima e engajamento que fazemos nas organizações. Uma equação que simplesmente não fecha!
Há algumas hipóteses para esta falha. A minha é a de que temos falhado porque olhamos para o feedback como um processo ou uma ferramenta e não como uma conversa com foco no crescimento e no desenvolvimento das pessoas. O feedback como uma “tarefa” da liderança tem produzido nada mais do que perda de tempo e conversas sem sentido.
Você já deve ter visto uma situação na qual o feedback:
- Ocorreu no dia e hora exatos previstos no calendário de gestão de pessoas da empresa (uma ou duas vezes ao ano)
- Tratou sobre situações ocorridas há meses, sobre as quais há pouco a se fazer
- Tratou de fatos do passado e não gerou reflexão nem aprendizado sobre o que ocorreu
- Terminou com uma lista de cursos e ações genéricas como “Plano de Desenvolvimento”.
Do ponto de vista processual, a tarefa foi cumprida, o feedback foi realizado. E do ponto de vista da relação que se estabelece entre as pessoas, e do objetivo de gerar aprendizado e desenvolvimento, tratou-se apenas de uma grande perda de tempo!
Se você já participou de um feedback como o descrito, você faz parte dos cerca de 80% dos colaboradores brasileiros que afirmam não receber feedbacks regularmente efetivos, segundo a pesquisa FIA Employee Experience 2022.
Olhando em perspectiva minha história como colaboradora e como líder, tenho histórias para contar tanto sobre péssimos momentos de feedback quanto momentos muito significativos. (Lembrando que não estou aqui falando do conteúdo do feedback, e sim da forma como ele aconteceu.) As histórias que vivenciei nas quais o feedback foi significativo foram aquelas em que alguns elementos estavam presentes: a boa intenção de quem estava oferecendo o feedback combinada com informações que verdadeiramente contribuíam com quem o recebia, por mais doídas que fosse recebê-las. Ou seja, com um peso maior na qualidade da conversa e da relação e menor no processo ou ferramenta.
O que falta não são treinamentos sobre método nem sistemas, e sim capacidade e habilidade das lideranças para conduzirem conversas significativas!
Alguns desafios comuns do feedback como é feito hoje são:
- A falta de objetividade e especificidade
- A predominância do feedback negativo ou direcionado somente para o passado
- O medo e a resistência dos colaboradores em receber feedback
- A falta de preparo ou habilidade da liderança para realizar conversas significativas
- O feedback baseado em julgamentos
A seguir vamos aprofundar cada um destes desafios.
A falta de objetividade e especificidade
Um dos principais problemas do feedback tradicional é a falta de clareza e precisão na comunicação. Muitas vezes, o feedback é dado de forma vaga e genérica, sem apontar exemplos concretos ou descrever expectativas específicas. Isso dificulta a compreensão sobre o que realmente precisa ser melhorado e como agir para alcançar essas mudanças. Ao fornecer feedback, é essencial ser específico e apontar exemplos concretos do comportamento ou desempenho observado. Isso ajuda o interlocutor a compreender exatamente o que precisa ser modificado e como aplicar as mudanças necessárias.
Porém de nada adianta ser específico se o feedback trata de algo que ocorreu há muito tempo. Por isso o feedback deve ser oportuno, de preferência logo após o ocorrido que gerou a necessidade do feedback. Se você esperar muito tempo, a pessoa pode não se lembrar do contexto, tornando o feedback menos eficaz.
É por isso que se fala tanto na necessidade de feedbacks pontuais. Uma pesquisa recente da plataforma Feedz mostrou que 92% dos profissionais que têm conversas frequentes com a liderança entendem o que é esperado deles no trabalho e atingem melhores resultados.
Quando falamos de objetividade é importante questionar um mito da liderança, propagado nas últimas décadas: o “feedback sanduíche”, aquele que tem sempre como estrutura falar algo positivo, depois negativo e terminar com o positivo. Se você já faz conversas de feedback com frequência, avalie o quanto esta prática pode gerar confusão no entendimento da conversa. Já diz o ditado popular, cada uma escuta o que quer. Evite rodeios e dê a mensagem que precisa ser dada. Imagine que você quer elogiar alguém que tende a ser mais crítico ou pessimista. Usar esta estrutura pode fazer com que a pessoa dê mais peso à parte dos pontos negativos, sem considerar os pontos positivos mencionados. O contrário ocorre com pessoas que tendem a ser mais otimistas. Ou imagine alguém com baixa consciência em relação ao ponto a ser tratado no feedback, a pessoa vai considerar aquilo que já é consciente sem ampliar sua visão sobre o assunto.
Por isso eu costumo recomendar que o feedback sanduiche deve ser deixado para aqueles momentos de formalização de uma avaliação ou fechamento de ciclo, onde você vai recapitular feedbacks pontuais que já foram dados ajudando a pessoa a organizar pontos fortes e pontos de desenvolvimento.
A predominância do feedback negativo ou direcionado somente para o passado
Outra questão comum no feedback tradicional é a ênfase excessiva no negativo, os chamados pontos de desenvolvimento. Quando feedback se concentra apenas nos erros e pontos fracos dos colaboradores, perde-se a oportunidade de reconhecer e reforçar os pontos fortes e as conquistas, e gerar aprendizado também a partir delas.
Esse tipo de abordagem pode resultar em desmotivação, baixa autoestima e uma atmosfera de trabalho tóxica. Além disso, a ênfase no negativo pode fazer com que os colaboradores se sintam ameaçados e se tornem resistentes a mudanças e sugestões construtivas. Os feedbacks recorrentes e pontuais devem ocorrer também como forma de reconhecimento e incentivo! É importante reconhecer os aspectos positivos do desempenho e ressaltá-los.
A maioria de nós foi ensinada ao longo da vida, desde a escola até o ambiente familiar, a trabalhar nossos pontos fracos para melhorá-los. Poucas vezes olhamos de forma natural para nossos pontos fortes, e quando nos tornamos líderes reproduzimos este padrão com nossas equipes. E esquecemos que em nossos pontos fortes se encontram antídotos e alavancas para aquilo que precisamos melhorar. É muito mais efetivo aprimorar aquilo que somos naturalmente melhores do que tentar ser bom em tudo.
Por isso, como líder tenha o hábito de também dar feedbacks sobre pontos fortes, realizações e ações com impacto positivo nos resultados e na equipe.
Don Clifton, autor dos livros “Descubra seus pontos fortes” e “Seu balde está cheio” usava uma metáfora que acredito ser muita precisa para descrever o poder da liderança quando faz feedbacks positivos. Ele dizia que todos nós temos um balde invisível que se enche ou esvazia o tempo inteiro, dependendo do que os outros nos dizem ou fazem. Quando o nosso balde está cheio, nos sentimos ótimos. Quando está vazio, ficamos péssimos. Todo mundo possui também uma concha invisível. Sempre que a usamos para encher os baldes dos outros, dizendo ou fazendo algo que reforce as suas emoções positivas, acabamos enchendo também o nosso próprio balde. Por outro lado, toda vez que utilizamos essa concha para esvaziar o balde de alguém, enfraquecendo as suas emoções positivas, também acabamos esvaziando nosso balde.
O medo e a resistência em receber feedback
Feedback é uma daquelas palavras que já foram tão mal utilizadas que costumam gerar aversão. Faça você mesmo o teste, e me diga o que vem à sua cabeça quando ouve: “vou te dar um feedback”. A maioria das pessoas atribui conotação negativa a esta frase…
É comum que as pessoas se sintam ansiosas ou amedrontadas diante do feedback, especialmente porque ele pode estar associado a críticas e julgamentos pessoais. Essa resistência pode se manifestar de diversas formas, como a defensiva, a falta de comprometimento com as mudanças propostas ou até mesmo a busca por vingança e retaliação.
A resistência ao feedback é prejudicial tanto para as pessoas individualmente quanto para a organização, pois impede o desenvolvimento pessoal e profissional e dificulta a criação de um ambiente de trabalho positivo.
Uma forma de lidar com esta resistência é usar a visão trimembrada do ser humano, em seu Pensar, Sentir e Querer. Esta é a visão oriunda da Antroposofia é usada como base para os programas e processos que fazemos aqui na @Adigo Consultoria:
PENSAR
É o mundo das ideias, conceitos, crenças, onde construímos nossas convicções sobre o melhor jeito de se fazer as coisas e lidar com as situações. No pensar construímos uma lógica à partir de uma realidade ou ação vividas. Quando o feedback não é compreendido pode gerar resistência no Pensar. Falta entendimento. Para minimizar esta resistência, baseie seu feedback em fatos e dados, dê exemplos que possam ampliar a compreensão do fato e seus impactos.
SENTIR
Aqui residem mossas emoções e o sentido que atribuímos ao que acontece. A resistência pode vir do SENTIR quando o feedback, de alguma forma, afeta os valores, a autoestima, o status e os papéis que a pessoa desempenha. Quando a resistência está no Sentir, a reação pode ser de medo, insegurança, tristeza, sentimento de injustiça… Neste caso, apenas dar mais informações e dados não vai ajudar e pode até reforçar esta resistência. A liderança precisar ter empatia e ser capaz de criar um ambiente de segurança psicológica, na qual a pessoa se sinta acolhida e segura para expor vulnerabilidades. Aqui está a chave para uma boa liderança: é importante estar preparado para acolher, apoiar e desenvolver as pessoas.
QUERER
É por onde transformamos os pensamentos e sentimentos em ação no mundo. E por onde reagimos de forma inconsciente, reproduzindo hábitos e comportamentos em resposta ao ambiente. Há feedbacks nos quais a pessoa entende e concorda não se sente capaz de agir sobre ele. Neste caso, o caminho é definir, em conjunto com quem recebe o feedback, possíveis alternativas para um pequeno passo em direção à mudança de comportamento/atitude desejada. Aqui é importante que a liderança crie um ambiente de incentivo ao aprendizado, ajudando as pessoas de sua equipe a vencerem a hesitação, experimentarem o novo e lidarem de forma positiva com os desafios naturais à mudança de atitudes e comportamentos.
A falta de preparo ou habilidade da liderança para realizar conversas significativas
Todo feedback é uma conversa significativa. Se bem aplicado, gera crescimento e desenvolvimento. Se malfeito gera frustrações. Ambas as situações têm o potencial de ser um momento marcante na vida de alguém.
Um dos pilares de uma boa liderança é saber promover conversas significativas, cruciais para desenvolver confiança, engajamento e produtividade na equipe. É com este espírito que as conversas de feedback deveriam ser conduzidas.
Aqui estão algumas dicas para que estabelecer diálogos valiosos:
- Estabeleça um ambiente aberto e seguro: Crie um espaço onde os membros da equipe se sintam psicologicamente seguros para compartilhar suas ideias, preocupações e opiniões. A confiança e o respeito mútuos são essenciais para que as conversas sejam verdadeiramente produtivas e significativas.
- Escute ativamente o que o outro tem a dizer: feedback não é monólogo, é diálogo.
- Torne a conversa relevante: Foque em tópicos que são realmente significativos para o desempenho e o desenvolvimento daquela pessoa.
- Promova a reflexão e o aprendizado: Estimule a autorreflexão, compartilhe lições aprendidas e enfatize a importância do aprendizado contínuo como um caminho para a melhoria e sucesso individual e da equipe.
Em 2022 o autor Marcus Buckingham publicou um artigo provocativo na Harvard Business Review intitulado “Por que o feedback raramente faz o que deveria”. No texto, Buckingham define o que ele chama de “falácia do feedback”: acreditar que alguém pode vir a ser melhor se outra pessoa disser a ela o que está fazendo bem ou mal e ainda orientar como pode melhorar o seu trabalho. Ou seja, um grande problema do feedback reside na crença (ainda que não explícita) de que há uma relação de superioridade, na qual que dá o feedback detém a verdade e quem recebe é como um receptáculo vazio.
Feedback é um diálogo que se estabelece a partir de uma relação entre duas pessoas, esta é a premissa!
O feedback baseado em julgamentos
Uma distinção precisa ser feita neste ponto: seres humanos sempre atribuem julgamentos àquilo que vivenciam, de acordo com as experiências e aprendizados construídos ao logo da vida. Julgamentos são avaliações subjetivas, por isso, possuem o viés de quem as emite, ligados a modelos mentais. O risco ao qual estamos submetidos diariamente é o de emitirmos nossas opiniões como se fossem fatos.
O feedback não foge desta regra humana. Para checar se o que será dito trata-se de um julgamento ou de um fato em um processo de feedback, é necessário reflexão e mínima preparação prévia.
Então, ao preparar um feedback, comece se perguntando: Está claro para mim quais são os fatos e dados, e quais são as conclusões e opiniões emitidas a partir deles?
“As pessoas pensam que, quando fazem feedback, é como se estivessem diante de uma vidraça olhando como a outra pessoa se comporta, mas, na realidade, elas estão diante de um espelho, onde parte do que se vê são elas mesmas.”( Marcus Buckingham)
A solução: ter uma abordagem orientada para o desenvolvimento
Uma rápida pesquisa na internet trás uma gama de opções, é uma questão de você encontrar aquela que se encaixe com o seu jeito de funcionar. Há opções com nomes em siglas, como DESC, IDEA, STAR… Uma olhada mais profunda e atenta permite identificar que todas elas de alguma formas seguem estes passos:
- Descrever o fato/situação observada
- Falar sobre o impacto do fato para você, o grupo, a empresa.
- Combinar qual é a ação possível e esperada a partir desta conversa
- Estabelecer como acordo de como os resultados a partir desta conversa serão acompanhados e apoiados.
Um ciclo simples, que se contemplado na condução do feedback já promove mais efetividade do que uma conversa solta. Porém, ter um método para organizar seu feedback não é suficiente, e limitar-se a este enfoque pode gerar todos os problemas descritos anteriormente.
É fundamental que os líderes adotem uma abordagem focada no desenvolvimento e aprendizado contínuos, cuidando do que é essencial na conversa. Podemos também usar o modelo trimembrado em Pensar-Sentir-Querer para preparar e conduzir uma conversa significativa:
PENSAR – Preocupe-se com o conteúdo da conversa. Elenque fatos, dados exemplos para ser o mais descritivo possível, relatando o que foi observado e não sua opinião sobre o que observou. Traga exemplos que ilustrem o objeto do feedback.
SENTIR – Reflita sobre os impactos emocionais que o feedback pode gerar e qual o significado para quem vai receber. Seu tom de voz, o ambiente, o tempo dedicado são sinais importantes que demonstram o quanto você apoia e acolhe ou não aquela pessoa. Dê espaço para que o outro manifeste como se sente, e se espontaneamente isso não surgir na conversa pergunte, com empatia e interesse genuíno. Ajude o outro a perceber o Sentir presente na conversa, e compartilhe o seu Sentir também sempre que possível.
QUERER – Cuide do processo, do tempo disponível, local, organização das informações. E mais importante: ao fornecer feedback, é importante concentrar-se em como aquela pessoa pode usar a informação para crescer e superar obstáculos. Isso pode incluir definir planos de ação claros e mensuráveis, oferecer recursos, treinamento ou orientações adicionais e acompanhar o progresso ao longo do tempo. Ou pode ser simplesmente finalizar a conversa com um próximo passo possível no qual quem recebe o feedback consiga se comprometer.
Uma perspectiva complementar é a que Buckingham nos oferece, quando descreve três coisas que a liderança pode fazer para apoiar o desenvolvimento das pessoas e fazer com que elas se tornem cada vez melhores naquilo que fazem:
- Estar atento ao que as pessoas fazem e como elas fazem, para adquirir uma perspectiva individualizada. As pessoas gostam de atenção e se sentem mal se forem ignoradas na sua individualidade.
- Dedicar atenção à pessoa que está fazendo bem as coisas, para que ela faça muito melhor. O que foi bem-feito e/ou trouxe bons resultados? Concentre-se nos detalhes, como os objetivos foram alcançados, e estimule a pessoa a fazer mais disso. Aqui não se trata de enaltecer alguém. Trata-se de trazer consciência para permitir ao outro que se concentre no que faz bem e potencialize seus talentos.
- Prestar atenção no jeito que uma pessoa gosta de fazer as coisas. Muitas vezes a liderança emite feedbacks para que algo seja entregue de acordo com sua perspectiva, seu jeito. Se for possível (e quase sempre é) deixe claro O QUE precisa ser feito, delimite parâmetros e condições de satisfação, e ajude a pessoa a desenvolver um COMO que faça sentido para ela e respeite sua individualidade. Sabemos que as emoções e o aprendizado estão intimamente relacionados, e quando nos dedicamos a algo que nos traz satisfação, aprendemos muito mais.
Ao adotar essa abordagem orientada para o desenvolvimento, a liderança demonstra empatia, apoio e comprometimento com o sucesso de seus colaboradores, melhorando a retenção e o engajamento no ambiente de trabalho.
A combinação de feedback com foco no desenvolvimento aliado a uma cultura organizacional baseada na confiança contribui para um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, no qual os colaboradores sintam-se valorizados e motivados a crescer. Neste cenário, todos saem ganhando: os colaboradores desenvolvem-se pessoal e profissionalmente, e a organização se beneficia em termos de produtividade, inovação e retenção de talentos.
Não subestime o poder de um feedback bem aplicado – ele pode ser a chave para transformar sua empresa em um ambiente propício ao desenvolvimento humano.
Bibliografia:
Buckingham, Marcus. “Why Feedback Rarely Does What It’s Meant to”. Harvard Business Review, 2022.
Clifton, Don. “Descubra seus pontos fortes”. Editora Sextante, 2001
Clifton, Don. “Seu balde está cheio?”. Editora Sextante, 2005.